Juristas ouvidos pelo Jornal do Brasil comentaram o resultado do julgamento, nesta quarta-feira (24), do recurso sobre a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por unanimidade, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) confirmou a sentença de primeira instância do juiz Sergio Moro – aumentando a pena para 12 anos e um mês de prisão – e ainda determinou a prisão após esgotamento dos recursos.
Autor do livro Presunção de inocência e execução provisória da pena no Brasil, o advogado criminalista Paulo Saint Pastous Caleffi disse que o resultado do julgamento não causou espanto, tendo em vista que esta era uma “batalha inglória” para o petista, mas que os três desembargadores enfrentaram a análise de provas de maneira adequada.
Caleffi ressaltou, contudo, o que classifica como “entendimento equivocado” do Supremo Tribunal Federal (STF), quando no início de 2016 a maioria da Corte Suprema decidiu pela prisão imediata de condenados em segunda instância antes do esgotamento dos recursos. Segundo ele, a decisão, que agora repercute com maior força por se tratar de um caso de ampla cobertura midiática e comoção social, deixa entrever a “insegurança jurídica” no país.
“A execução provisória da pena não é obrigatória, não é automática, ela é uma possibilidade. No caso da 8ª Turma, se autorizou a execução após o exaurimento dos recursos [embargos de declaração que serão apresentados pela defesa de Lula]. Posso adiantar que a decisão não será revertida e a prisão ocorrerá. Neste caso, o réu cumpre a pena mesmo estando pendentes as análises de recursos no STJ e STF. Isso viola taxativamente o texto constitucional em termos de presunção de inocência”, argumentou o criminalista.
A alegada “insegurança jurídica” provoca ações como a ocorrida na tarde desta quarta-feira (24), quando a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, negou um habeas corpus preventivo a favor de Lula. Segundo Caleffi, a decisão do Supremo sobre prisão em segunda instância faz com que cada magistrado da Suprema Corte possa ter um entendimento sobre a necessidade de prisão do petista e, com isso, conceder ou não um habeas corpus preventivo.
Apesar da grande possibilidade de o STF rever, na volta do recesso do Judiciário, a prisão imediata em segunda instância, com o assunto sendo colocado na pauta de votações, o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello se mostrou mais pessimista com os resultados. Crítico do que ele chamou de “evidente partidarismo do Judiciário”, ele argumenta que “o Supremo deixou de ser o bastião da justiça no Brasil” e que a Corte Suprema tende a reiterar a decisão “política”, segundo ele, do TRF-4.
“Esse resultado era esperado, quando se é julgado pelos seus inimigos, quando não se está em um julgamento equânime. Esse processo tem problemas na sua origem, desde Sergio Moro, que não tem mentalidade de juiz, culminando, hoje, no voto do relator, que merece um estátua por representar de maneira espetacular o PSDB. A um juiz exige-se equilíbrio e distância, não é isso o que estamos acompanhando e não deve ir nesse sentido as decisões do Supremo sobre os recursos da defesa”, criticou Bandeira de Mello.
Segundo o jurista, os tribunais ficaram cegos pelas chances de Lula vencer as eleições presidenciais de outubro e atuaram politicamente. “Não se julga com partidarismo, e essa opinião não é apenas minha, foi artigo no [jornal norte-americano] The New York Times, um dos mais respeitados na imprensa internacional, fala-se claramente que Moro ‘organizou um espetáculo para a imprensa'”, afirma Bandeira de Mello, citando o texto do co-diretor do Centro para Pesquisas Econômicas e de Políticas Públicas (Center for Economic and Policy Research – CEPR), em Washington, o economista norte-americano Mark Weisbrot.
Para o doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP, professor Erick Wilson Pereira, houve convergência entre a prova judiciária e a prova material e que esse fato, portanto, justifica a condenação do ex-presidente. Ele recorreu à aplicação do “domínio do fato”, teoria do sistema americano, “onde você sai do garantismo”, sustenta.
A prova precisa convergir. Se tiver algo divergindo, ela não pode ser aplicada para condenação. E ai você tem a formação do devido processo. Existiu a prova indiciária (de indícios). O que não houve foi a contra prova. Quando ela [a prova indiciária] converge no conjunto, ela é suficiente. Essa é uma teoria do sistema americano que está sendo aplicada ao sistema brasileiro. A consequência disso depende de efeitos suspensivos desse recurso que vão ser requeridos”, afirma Pereira, acrescentando que a lei permite que Lula concorra com uma ação liminar, “mesmo condenado em segunda instância”.
Já o professor de Direito Penal e Processual Penal, Fernando Hideo Lacerda foi mais detalhista na crítica ao veredicto. Segundo ele, o teor da sentença é diferente do que foi apresentando no julgamento, resultando, ainda segundo ele, em “uma nova condenação”.
“O Tribunal entendeu que Lula articulou um esquema de corrupção com a finalidade de financiamento de partidos políticos, agindo nos bastidores mediante a indicação de cargos-chave na estrutura de uma organização criminosa. Como não foi esse o conteúdo da denúncia, impossível o exercício do direito de defesa. Diante da fragilidade da sentença, criou-se uma nova situação que justificasse a condenação”, avaliou Hideo Lacerda.
Segundo o professor de Direito Penal, a decisão do TRF-4 torna ainda mais frágil a acusação e deixa mais exposta a ausência de crime. “Não é apenas caso de não haver provas. A verdade é que tanto a sentença quanto a fala do relator demonstram que não havia sequer crime a ser apurado”, defendeu.
Fonte: Jornal do Brasil